POEMAS




Antonio José Martins


sob o rodopio de parangolés vermelhos
e a memória dos miseráveis,
fora, no beco das putas:
laocoonte em troncos retorcidos
de restos pigmentos rasgos,
curvas, contorções: tormentos –
e dali, daquela explosão,
de dentro,    em camadas,
a insurreição de todos, todos
os escravos
de áfrica, sicília, das antilhas,
e que termina, triste,
entre os escombros de lampadosa,
numa prece
aos sobrados encrustados no templo
à espera
da forca

– não termina:
na noite, nossa,
em outubro, sempre, em fevereiro
no levante vermelho dos operários de viena,
nas divisas, no coração daquele
e de todos os poemas,
nas cores de fogo de estremadura:
armam-se encouraçados, manhãs sem medo,
e os mastros,
a meio, guardam
a áspera imagem nascida de uma árvore,
aqui: um cacto, tombado,
como lembrança, como bandeira,
como emblema




em recordação da exposição de henrique oliveira no centro cultural hélio oiticica, localizado na rua luís de camões, no centro do rio de janeiro. da janela do centro cultural, vê-se a igreja de nossa senhora de lampadosa, hoje quase em ruínas, localizada na esquina da rua luís de camões com a avenida passos, e onde Tiradentes assistiu à última missa antes de ser enforcado e esquartejado. a irmandade foi fundada, em 1747, por escravos.
para carlos abbenseth, com quem visitei a exposição, estive na frente da igreja e li, na noite do mesmo dia, os poemas Wir werden e Schibboleth, de Paul Celan.



In the mood for love

Tela de chuva em Frankfurt,
em Hong-Kong.
A hipnose se adensa,
condensação partilhada
dos pêndulos.
São muitos, são nossos os
relógios.



o desterro
um largo arco
entre dois mundos: olhos –
os teus, de pedra
verde;
trânsito
entre dois olhares proscritos
e o que neles se fixa,
cristal do caminho,
e o que se perde –
jogo de areia


                       bach, sexta sonata para violino e piano





da história de Adèle

membranas sensitivas,
a delicada ponte do encéfalo –
encapsuladas,
as línguas liberam
uma vertigem de imagens cubistas;
a lágrima se ancora no dorso,
a pupila se espraia,
sorve
fluxo e refluxo
entre a ostra e o vinho,
entre o sal e o perfume,
entre pétala e pétala;
da copa das árvores goteja a memória das chuvas,
nossas bocas se emplastram, as gêmeas,
na degustação de arandos,
da preamar só retornam
um denso fio de espuma
e a concha
despegada
da concha




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